Beldroegas, Faiança de Sacavém e a Avó
Etnobotânica.
Gastronomia. Memória
Beldroegas, Faiança de Sacavém e a
Avó
Ainda há surpresas boas e bons
amigos
Hoje ao
acordar tinha dependurado na maçaneta da porta um saco de beldroegas que um
amigo ali deixou por saber o quanto eu gosto de umas “balduregas”, nesta altura
em que esta vivaz infestante começa a invadir as nossas hortas e se apresenta
viçosa e suculenta. E estas que aqui se apresentaram, foram colhidas logo pela
manhã. A altura ideal para trazer para a cozinha todas as propriedades
nutricionais. Mas disso falaremos mais adiante.
No Alentejo sempre
se respeitou esta erva/planta, não sei bem como lhe chamar,
como um recurso culinário muito importante.
Ontem, num
tempo de necessidades extremas e de fome de caixão à cova, encheu a barriga a
muita gente.
Hoje, pela
memória das coisas, pela promoção das suas propriedades, pelos “chefs” que abusam
do preço e a tornaram uma iguaria, ou pelos estudos sérios que têm sido feitos
sobre a Beldroega ninguém fica indiferente a experimentar degustá-la. A própria
Direção Geral de Saúde a incluiu no Programa de Alimentação Saudável como sendo
uma excelente fornecedora de Ómega-3, ácidos gordos que minimizam os riscos
cardiovasculares.
Ora bem , em
primeiro lugar quero agradecer ao amigo. Em segundo lugar dizer-lhe o alvoroço que
me provocou logo pela manhã: De imediato senti o filme da memória começar a
correr veloz. Veio-me à lembrança a sopa de beldroegas feita pela minha Avó
Rosa, que me ensinou quase tudo o que sei. Servida em cama de pão em prato de
loiça da Fábrica de Sacavém (1). Vou fazer uma sopa de beldroegas tentando
reconstituir fielmente a sopa e o cenário
que tenho na memória, também como forma de convocar a minha ternura para com a minha sempre saudosa Avó. Sempre que
a oportunidade aparece procuro prestar-lhe homenagem pelo muito que a
amo, esteja onde estiver.
Comecei de
imediato os preparativos, descobri ainda uns pratos de imitação barata do
Cavalinho da Fábrica de Faiança de Sacavém, no “loiceiro” cá de casa. Estendi
uma toalha rameada e bordada sobre a mesa do Ikea, e vamos que se faz tarde. Fui à pequena garrafeira buscar
um tinto, que merece registo, de 2019, do Monte da Ravasqueira (2), Arraiolos,
da sociedade agrícola de D. Dinis, mais Alentejo para a mesa, saquei-lhe a
rolha para arejar e volatizar, despejei uma porção generosa no copo e ali ficou
o Mocho Galego (Athene noctua) estampado a olhar para mim, feito curioso! Assim
acompanhado lancei-me ao trabalho.
Gastrofolia na cozinha. Saberes e
sabores
A memória da
preparação e dos ingredientes necessários depressa se tornou clara e ágil. Lavei
o molho de beldroegas em água corrente da torneira, retirei os talos mais
grossos e raízes. Partir o molho a meio de forma tosca e rústica e atirei com
ele para um tacho com água, onde levaram um entalão de fervura durante um
minuto, para retirar alguma acidez. Escorridas e reservadas. Passo seguinte,
azeite do Lagar do Alandroal (Torre de Menagem)
(3) a tapar o fundo ao tacho, dois pedaços de toucinho, duas rodelas de
chouriço, comecçaram a fritar, alho fatiado, um pouco de cebola picada, uma folha de louro. Tudo
refogou, retirei o toucinho e o chouriço, e aconcheguei o estômago com eles e
um pedaço de pão do Torrão, que entretanto já tinha fatiado para servir de cama
à sopa. Acrescentei ao refogado as batatas que entretanto alguém descascou e
fez às rodelas, tapei com água deixei cozer lentamente. Entretanto, fui lavar
duas cabeças de alho, parti o queijo de cabra, de cardo, do Lica dos Orvalhos
(Alandroal) (4), e três ovos para
escalfar.
Acrescentei
as beldroegas já com a batata quase cozida, os ovos para escalfar, as quatro
metades de queijo e as cabeças de alho.
Estava feito! Chamei o pessoal para a mesa. Agradeci... e sentei a minha Avó ao meu lado!
A harmonia, a
alegria e a melodia dos ingredientes a conjugarem-se e a abraçarem-se uns aos
outros de forma genuína e simples invadiu a cozinha, a casa, e acho que as
escadas!
E que bem
que soube!
Etnobotância/Usos e portencialidades
da Beldroega
Popular:
Balduregas, belduregas, baldruegas são alguns dos termos usados
Nome
científico: Portulaca olerocea L
Originária
das bacias dos grandes rios do médio Oriente, espalhou-se um pouco por todo o
mediterrâneo e ocorre em Portugal em todo o lado, de forma abundante, embora
goste muito do Alentejo e Algarve. Faz parte da dieta mediterrânica.
“As beldroegas possuem um enorme valor
vitamínico e mineral. Em cru são fonte de vitamina C (21,0mg/100g), potássio
(494mg/100g) e magnésio (68,0mg/100g), apresentando, também, valores
interessantes de ferro (2,0mg/100g). Caso sejam consumidas cozidas, constituem
uma fonte de potássio (488mg/100g) e magnésio (67,0mg/100g), fornecendo, ainda,
vitaminas A (93µg/100g) e C (10,5mg/100g).” (5)
É emoliente,
alimentar e vermífuga. Excelente produto de limpeza para a pele, é macerada em
vinho e aplica-se depois na pele, principalmente para o rosto. Em cozimento, a
beberagem obtida ajuda a expulsar as lombrigas segundo referiam muitas avós amigas
da minha avó.
O seu valor
como recurso alimentar e medicinal fez com que hoje já existam plantações de
beldroegas pensadas como negócio. Alguns hortelões e agricultores já se dedicam
à produção de beldroegas usando técnicas de sementeira estudados para maximizar a beldroega como
produto.
(1) Ver: https://www.mundoportugues.pt/para-uma-historia-da-faianca-em-portugal/
(2) Ver: https://www.ravasqueira.com/?lang=en
(3) Ver:
https://www.facebook.com/lagardoalandroal/
(4) Ver: https://pt-pt.facebook.com/people/Serralica-Queijaria/100008810142694
(5) Ver: https://alimentacaosaudavel.dgs.pt/alimento/beldroegas/
Comentários
Enviar um comentário