“As Vinhas da Ira” e a Crise de 1929

“As Vinhas da Ira” e a Crise de 1929


A Literatura, o Currículo e a História

O livro que refiro de  John Steinbeck é uma narrativa ficcional e informativa que dificilmente se pode enquadrar num conceito de visão estreita de literatura para crianças e jovens. Para além de ser uma narrativa poderosa sobre os dramas e os penosos dias do povo dos anos 30, na Califórnia, é também um livro do mundo, ou melhor, sobre os problemas do mundo e, por isso, constitui-se como documentação, fonte de reflexão, de ilustração e consolidação da problemática subjacente à crise de 1929, que duraria até ao final dos anos 30, abrindo a porta para o inferno da 2ª guerra mundial.

Utilizo este livro com alunos do 12º Ano de Humanidades e sugiro-o aos meus colegas para o ligarem ao currículo de algum modo.

A leitura/literatura articulada com o currículo/conteúdos deve, independentemente, da área científica, físico-natural ou humano-social contribuir para a formação do jovem como ser individual e social e, ao mesmo tempo, permitir-lhe através do registo ficcional melhorar a própria formação da personalidade, alargando-lhe horizontes levando-o a olhar os conteúdos programáticos de vários prismas e ajudando-o a compreender melhor de forma progressiva e reflexiva o mundo, os seus fenómenos e problemas.

 A ligação da literatura ao currículo diversifica os recursos postos ao alcance do aprendente e do professor e pode ser um meio motivador e facilitador da aprendizagem que se quer rica, eficaz e consequente na construção do conhecimento. Claro que a primeira preocupação do professor e do professor bibliotecário deve ser a  da adequação da obra ao aluno mas, isso, nem sempre é fácil pelo que, por vezes temos de arriscar.

Aprender é arriscar! Aprender é descobrir! Penso que muitas vezes os professores por receio, por desculpa de falta de tempo ou mesmo por dificuldades pessoais, fogem desta cruz a sete pés...

Imagem do filme de 1940

No caso concreto, esta obra já foi testada com alunos de 12º Ano:

  1. Do Currículo

 A temática das causas e efeitos de 1929 continuam a ser controversos, de Galbraith, passando por Friedman até Samuelson, não havendo consenso, antes uma enorme listagem de causas: Crise monetária, sobreprodução agrícola, sobreprodução industrial, desregulação dos mercados, especulação bolsista… Mas as consequências foram bem evidentes: Longa depressão e desemprego, baixa e controle da produção, diminuição dos rendimentos, queima de produtos para controle dos preços, fome, miséria, dor…

 

  1. Do Livro

 As Vinhas da Ira  de Steinbeck é um ícone literário (histórico) fundamental para ligar ao currículo de alunos de 12º Ano. É um instrumento poderoso descritivo das causas e efeitos da crise de 1929. Vai enriquecer e alargar o conhecimento escolar do aluno sobre a matéria. Vai permitir relacionar o drama de milhares de pessoas com o “crash” da bolsa de NY e fazer o aluno descobrir uma realidade que o “manual” ou o professor não conseguem transmitir.

Deixo aqui alguns excertos motivadores, ilustrativos e consolidativos dos conteúdos (função documental e de articulação com o currículo):

A Fome, a Miséria, a Solidariedade e a Ira

“Você já ouviu falar daquela criança na quarta tenda?

Não. Cheguei agora mesmo.

Pois essa criança chorava e remexia-se toda a sonhar. Todos pensavam que tinha lombrigas. Então deram-lhe um purgante e ela morreu.”

Os pais não têm dinheiro para o funeral o que a espera é uma vala comum...

“E as mãos mergulharam nos bolsos e puxavam pequenas moedas. Diante da tenda, a pilhazinha de dinheiro crescia. E a família lá a enterrou...”

As contradições da crise, enquanto milhares morrem de fome, queimam-se alimentos de primeira necessidade...

“Carradas de laranja são atiradas para o chão. Homens armados de mangueiras derramam querosene por cima das laranjas e enfurecem-se contra o crime daquela gente que veio à procura de frutos.

Há nisto tudo um crime, um crime que ultrapassa o entendimento humano[...]Crianças atingidas de pelagra  têm de morrer porque a laranja não pode deixar de proporcionar lucros.”

 A ira e a revolta crescem...

“E ficam imóveis, vendo as batatas passarem flutuando; ouvem os gritos dos porcos abatidos num fosso e cobertos de cal viva; contemplam as montanhas de laranjas, rolando putrefacto. Nos olhos dos homens reflecte-se o malogro. Nos olhos dos esfaimados cresce a ira. Na alma do povo, as vinhas da ira crescem e espraiam-se pesadamente, amadurecendo para a vindima.”


3.      Do professor bibliotecário

Ao professor bibliotecário caberá a responsabilidade de informar-se e facultar informação sobre as possibilidades de relação entre o currículo e os diversos tipos de recursos de informação, com destaque para a literatura infantil e juvenil, ajudando assim professores e alunos.                                                    

A finalizar posso afirmar que alguns (dos muitos) dos meus alunos já leram integralmente as Vinhas da Ira e viram o filme de John Ford realizado em 1940...

Esta é também uma obra que está presente na lista dos 100 livros que elaborei para os meus filhos lerem um dia!

    


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