Escola e Utopia em tempos de COVID-19

 

Escola e Utopia em tempos de COVID-19

 

Foto: sábado.p. 

Resumo

Bertrand  & Valois, resumem-nos na sua obra, os Paradigmas Educacionais, a evolução temporal e histórica dos paradigmas educacionais articulando-os com o tipo de sociedade em presença. Sintetizam os aspectos essenciais e estruturantes de cada um em relação às implicações educativas e ao tipo de escola que lhes está subjacente. Na sociedade pós-industrial que marca a transição para o século XXI  a sua proposta vai para um novo paradigma que responda às novas exigências de uma sociedade que tem problemas difíceis e “catastróficos” provocados pela irresponsabilidade do Homem  que só podem ser resolvidos com uma cidadania activa em que todos e cada um, assumam uma atitude cooperativa e colaborativa de forma a fazer emergir comunidades socialmente criativas e solidárias. Hoje, com esta pandemia a enormidade e complexidade dos problemas que se colocam à sociedade e à escola estão aí completamente destapados. É preciso um novo paradigma escolar. Um verdadeiro projecto educativo.

 

As tecnologias da informação e da comunicação, suportadas por uma autêntica revolução científica e tecnológica têm vindo a provocar e impulsionar os decisores políticos, transnacionais e nacionais para operarem mudanças no campo educacional: Na escola, na sua organização, papel e função. Surgem  a partir dos anos 80 na linguagem educacional  e nos fóruns nacionais e internacionais os conceitos de “projecto educativo”, “projecto curricular de escola” e “projecto curricular de turma” etc... Estes conceitos não estavam presentes no legislador e não faziam parte do discurso político. E agora, uma coisa qualquer como “perfil do aluno”…

           

 Sendo um projecto uma ideia para uma transformação do real e a sua concretização, ele deve conduzir a essa transformação .Por isso, um projecto, para não se esgotar “em estreitas relações de boas intenções” (Escudero Muñoz, 1998: 87), deve definir claramente “os perfis de mudança” desejados. E para essa definição, vale a pena ter presente que o projecto educativo está entre dois polos: um da ordem da utopia, do sonho e das intenções num espírito  de algo onde ainda não cabem os meios da sua execução, e outro polo que aponta para a programação dos meios de o pôr em acção. O problema tem residido nesta dualidade entre utopia e tecnocracia.

           

A ideia de projecto é uma imagem antecipadora do caminho a seguir para conduzir a um estado de realidade, não apenas intenção, mas também acção que deve trazer valor acrescentado ao presente para concretizar um mundo melhor, com aprendentes (alunos e professores), mais envolvidos e comunidade mais participativas e empenhadas numa escola de todos e para todos tendo como missão resolver os problemas que enfrentamos ( Bertrand & Valois, 1994).

           

O Projecto Educativo pode representar uma ruptura com a normalização e constituir-se como uma referência para a mudança permitindo definir políticas educativas próprias, o que foi tentado (Dec-Lei nº 6/2001 de 18 de Janeiro) a nível de escola e de territórios educativos com uma suposta autonomia ( Dec-Lei 115-A). Foi uma autonomia decretada, normativizada e sem os meios necessários a uma efectiva autonomia das comunidades educativas. Não passou de uma intenção controlada a que não correspondeu nenhuma mudança efectiva.

 

E agora, hoje, com os processos em curso sem os implicados envolvidos parece-me que não passará disso mesmo, outra intenção controlada. Decretada no gabinete do não Ministro.

 

O Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário, os princípios orientadores da sua conceção, operacionalização e avaliação das aprendizagens, de modo a garantir que todos os alunos adquiram os conhecimentos e desenvolvam as capacidades e atitudes que contribuem para alcançar as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Continua a ser uma intenção controlada e normativizada, sem meios financeiros e sem recursos. Apenas acrescentou mais burocracia às escolas, mais uma carga de nervos aos professores, e continua sem os respectivos meios humanos, técnicos e financeiros necessários. A COVID-19, veio destapar por completo o logro que o referido decreto é, e insiste em ser, sem ser nada. Antes de iniciar setembro era bom esquecer este monstro sem sentido. Este monstro triturador de tempo e vontades. Este monstro desfasado da realidade. Este monstro multiplicador de burocracias e papéis. Esqueceu, este decreto monstro na equação, por completo os professores.

 

Por outro lado, o modelo de gestão escolar também tem de sofrer alterações reais de modo a restituir a democracia às escolas. Hoje, os professores, apenas recebem orientações nas quais não participam efectivamente. A democracia não existe nas escolas. O Director  e as suas clientelas decidem o caminho e fazem de conta ouvir os grupos e departamentos. O próprio delegado de grupo ou coordenador de departamento é indicado pelo director para depois ser “eleito”. O director não passa de um representante do ministério.

 

Precisamos de um Projecto Educativo que envolva, que implique na sua construção os seus agentes. As crises podem ser geradoras de oportunidades. Pretendemos que a ideia de projecto possa dar sentido ao nosso destino colectivo. O projecto educativo parte de uma situação presente com vista a chegar a uma situação desejada. A escola ideal deverá decidir com a comunidade implicada quais as áreas em que as pessoas  querem oferta formativa. O projecto educativo pode ser uma oportunidade orientada para a resolução de problemas através de percursos pedagógicos muito próprios e contextualizados que possam efectivamente produzir mudanças com vista à emergência de um novo paradigma. Bertrand & Valois advogam a possibilidade de ser a partir do local/comunidade que o paradigma inventivo se possa manifestar através de “pequenos nada”, de exemplos e de práticas  que permitam uma autonomia construída com a finalidade de contribuir para a diminuição do “macroproblema” da humanidade.

 

Na chamada “sociedade da informação” pós-capitalista, operou-se um revolução que apresenta novos eixos centrados no pensamento em rede, na diversidade de opiniões, no valor da informação e na incerteza. Nesta Era, vários autores o afirmam,  com todo o conjunto de fenómenos que traz associados coloca alguns reptos, com particular pertinência, no campo da educação, da escola. Estas novas realidades vão-se reflectir obrigatoriamente no pensamento e nas práticas e políticas educativas no sentido de um novo paradigma não subordinado ao mercado e à economia, antes centrado nos valores e na pessoa como elementos fundamentais para um mundo melhor, para uma escola que inove e se inove na sua acção. O Projecto Educativo pode corresponder a uma visão e um filosofia de responsabilidade social, ensinar a viver e partilhar de forma mais justa o conhecimento e riqueza gerado por esse conhecimento.

O Projecto Educativo deve ter como finalidade o combate à exclusão e abandono escolar de forma efectiva. Os objectivos educacionais devem estar claros, aprender a ser, a viver em comum e afirmando a diversidade e interculturalidade. Deve defender claramente a  democracia participativa e a solidariedade. A COVID-19 destapou também esta falácia da inclusão. Os mais frágeis continuaram como estavam, sem meios e sem apoios. Computadores, ensino à distância… uma mentira vergonhosa que ainda agravou  e fragilizou mais a vida de quem já estava no limite!

 

Na relação homem – natureza, temos de ser responsáveis na gestão dos recursos, para evitar crises planetárias como a que atravessamos. Todas as organizações sociais e políticas têm de ser co-responsabilizadas pelos seus actos. A escola, o projecto educativo deve promover as multiliteracias como forma de consciencializar o cidadão para os seus direitos e deveres. Só desta forma se pode mudar a sociedade e a educação.

 

O modelo industrial, reprodutor da educação para todos, massificado, quer a leste quer a ocidente teve as suas potencialidades mas, hoje, esgotou-se nesta sociedade pós-industrial, a educação não pode continuar a servir a economia apenas. Tem de servir, à escala global, as pessoas, porque é ignóbil que com as imensas possibilidades que o conhecimento provoca na produção existam milhões de pessoas que não beneficiam desse conhecimento e estão limitados a patamares de pobreza material e cultural inadmissíveis. Neste processo dialéctico entre escola e sociedade, num mundo cada vez mais global, haverá de emergir um novo paradigma educacional e novas práticas educativas  (Bertrand & Valois)  “orientadas para a resolução dos graves problemas ecológicos, ambientais e sociais”.

 

Estes problemas têm de estar reflectidos nos currículos escolares de forma clara e assumida. Setembro com COVID-19 está aí.

 

 O Projecto Educativo, como instrumento de finalidades e de planeamento da acção educativa deve reflectir as problemáticas referidas como núcleo estruturante da cultura educacional para o futuro. ( Carvalho & Diogo, 1994: 47) afirmam que o Projecto Educativo faz a definição de escola, de cultura de escola, isto é, afirma as opções da escola-comunidade educativa quanto ao ideal de educação a seguir, as metas e finalidades a perseguir, as políticas a desenvolver. Assim a escola afasta-se da instrução e centra-se na construção, aluno – professor .comunidade estão envolvidos activamente num paradigma sociocultural de síntese: humanista, social, relacional, sinérgico e inventivo. Valores, saberes e competências devem de encontrar o equilíbrio necessário  no Projecto Educativo de modo a definirem a matriz cultural de Escola.  (Cabral: 1999) ajuda-nos a perceber que a escola é um espaço de múltiplas aprendizagens que pode permitir  mudar os fins que a tem marcado como servidora do mercado e da economia.

 

É com o Projecto Educativo, um outro pensado e participado pelos professores, que a mudança necessária se fará de acordo com o quadro conceptual de Bertrand & Valois.

 

Até setembro, à distância ou presencialmente, ou com ambas as modalidades…


Domingos Boieiro 

 3 de agosto de 2020

 

Nota: O texto não segue o AO

 


Referências Bibliográficas

 

BERTRAND, Y. & VALOIS, P. (1994). Paradigmas Educacionais – Escola e Sociedades. Lisboa: I. Piaget

CABRAL, R. (1999). O Novo Voo de Ícaro – Discursos Sobre Educação. Lisboa: ESE João de Deus

CARVALHO, A. & DIOGO, F. (1994).  Projecto Educativo. Porto: Edições Afrontamento

ESCUDERO  MUÑOZ (1988). “ La inovación Y la organización escolar”, in PASCUAL, R. – org. –La gestion educativa ante la innovación y el cambio, Madrid: Congresso  Mundial Vasco, Ed. Nárcea.

 

 

           


Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Arte Urbana vai ao Monte da Fonte Santa (Alandroal)

ZÉFIRO: O Deus das Brisas Suaves

Da Bela Ericeira partiu D. Manuel II para o Exílio (5 de Outubro de 1910)