Évora nos papéis… Mário Ventura
Évora
nos papéis… Mário Ventura
São
impressões, registos, pequenos textos, poemas, estórias e histórias,
sentimentos e opiniões dos outros sobre a minha cidade da alma e da pele, que
me ajudam a mitigar a saudade e me deixam mais perto! Antologias de Évora. |
“[…]
Os camponeses que trabalham na anta do Zambujal – Freguesia de Valverde, a nove
quilómetros de Évora - , curvados para o solo, perfurando em tarefa de
toupeiras a camada inferior que esconde os vestígios de várias ocupações, têm à sua beira um homem a quem mostram tudo o
que lhes vem às mãos, e que é para eles o tradutor dos seus achados
pré-históricos: Henrique Pina, antigo professor primário, agora licenciado em
Letras com ocupação de psicólogo, cultivando em quatro semanas de férias a dupla
paixão pela arqueologia e pelo Alentejo.
Henrique
Pina actua perante os camponeses que com ele trabalham – os únicos
colaboradores que logrou angariar – como chefe e como educador: dirige o seu
trabalho, vigia-o para que não seja prejudicial, mas esclarece-os igualmente
sobre os seus achados, ensina-os a conhecer e a admirar o que encontram,
consciente que a compreensão pressupõe cuidado e amor.
Pina
descobriu por acaso a grande anta do Zambujal, o acaso que pode constituir a
sorte maior de qualquer arqueólogo e lhe proporcionou também mais recentemente,
o achado – quase inteiramente desconhecido – do cromelech da Quinta dos Almendres, único assinalado na península.
Abstraindo
da grandeza deste monumento funerário do Período Megalítico, do seu valor arqueológico,
da contribuição que poderá trazer para o conhecimento da vida nos tempos
pré-históricos, a anta do Zambujal surge-nos ainda como um símbolo do acaso que
quase sempre preside às investigações arqueológicas em Portugal, e em especial no
Alentejo, região excepcionalmente rica em testemunhos de várias épocas.”
[…]
Andando na direcção leste-oeste, perguntando aos camponeses se conheciam nas
redondezas alguma pedra erguida na vertical, Henrique Pina, chegou ao Monte dos
Almendres. E aí lhe responderam, como se do facto mais natural se tratasse:
“Há,
sim, uma pedra muito grande, ali atrás da casa das vacas…”
E
agora, o arqueólogo enfrenta perante o cromelech
dos Almendres os mesmos problemas suscitados pela anta do Zambujal.
[…]
Henrique Pina diz: “O impacte é a nossa acção individual.” Mas a verdade é que
o esforço individual destrói o indivíduo. A anta ou o cromelech constituem o resultado de um esforço altamente
colectivizado, de uma consciência enraizada nas massas. À obra de gigantes que
o homem pré-histórico ergueu no Alentejo o homem da nossa época responde com um
trabalho de pigmeu […].”
In
Mário VENTURA. Alentejo Desencantado.
Círculo de Leitores, Lisboa.1974, págs. 78,79, 83 e 84
Nota: Este livro é o resultado das
crónicas de Mário Ventura ao serviço do Diário Popular nos anos 60 como
repórter. Debruçou-se sobre o Alentejo. É preso e só com o 25 se Abril será
libertado. A obra é publicada em dezembro de 1974, como retrato do que era o
país, em especial o Alentejo. Dedicou esta obra aos seus amigos que o levaram a
ver o Alentejo e pelo qual se apaixonou para sempre.
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